ROSALEE MILLS APPLEBY – A Mãe de Renovação Espiritual
O vento do Espírito soprava forte sobre a igreja brasileira, ainda sob o impacto e abençoada influência do I Encontro Nacional de Renovação Espiritual em Belo Horizonte, MG.
Aquele foi um momento único e que marcou em definitivo toda a minha geração. Nunca antes se vira tamanha sede e busca de Deus. Pequenos grupos de oração e intercessão poderiam ser vistos, a qualquer hora do dia ou da noite, espalhados nas dependências da Igreja Batista da Floresta, orando fervorosamente por avivamento.
E ele veio!
Na manhã de sábado, véspera de encerramento do Encontro, o Vento Impetuoso soprou sobre a multidão reunida. Uma inundação de alegria, de poder e de graça caiu sobre todos.
Não há como esquecer o culto de encerramento, naquela já distante tarde de domingo, ano de 1963.
O auditório da antiga Secretaria de Saúde e Assistência estava cheio. Completamente tomado de irmãos de diferentes denominações, vindos de todas as regiões do País. O ambiente de alegria e abundante graça refletia o que fora o Encontro. O Pastor José Rego do Nascimento caminhou até o púlpito para proferir a mensagem final. Seu semblante irradiava vida e poderosa unção. Leu o texto bíblico: “Eu plantei, Apolo regou, mas Deus deu o crescimento”. Orou, a seguir. Ainda posso vê-lo levantando as duas mãos, enquanto orava emocionado. Pregou não mais que 20 minutos, mas o fez com autoridade e grande paixão. Quando terminou, o auditório estava tomado de lágrimas e santa emoção. Virei-me e vi lenços. Lenços brancos de pessoas silentes que, às centenas, enxugavam as lágrimas. Cena enternecedora!
Que era aquilo, senão a resposta de Deus às orações de uma simples e discreta mulher que, por anos, escrevera, falara e, sobretudo, orara por um avivamento espiritual na igreja brasileira? Seu nome? Missionária Rosalee Mills Appleby. Quanto devemos a esta mulher!
Parabenizo o meu amigo pastor, Dr. José Hilário, pelo excelente trabalho de pesquisa, que lhe permitiu bem delinear o perfil da missionária Rosalee e nos fazer entender, a partir dele, a dimensão de seu caráter, de sua personalidade, de seu modo simples de ser e de agir.
Sua voz mansa e natural, desprovida de artificialismos, tão comuns aos pregadores religiosos, em nada indicava a mulher culta, ex-aluna de renomados teólogos, palestrante avidamente disputada pela juventude, escritora fecunda e poetisa de alma sensível, capaz de cantar como ninguém os mistérios da fé e as belezas do País que amou e a favor de quem se deixou consumir de paixão e zelo missionários.
Era incapaz de responder a ataques pessoais e muito menos de ficar brigando por nomenclaturas teológicas. É perda de tempo ficar discutindo, se a missionária Rosalee endossava ou não o termo “batismo no Espírito Santo”. A questão, para ela, era muito mais prática, experimental, vivencial. Nada de discussões estéreis, capazes de gerar mágoas e divisões. O que Rosalee sabia mesmo, era desafiar a moçada para uma vida de santidade e compromisso com Deus. E isto ela o fez com paixão e zelo, por meio de palestras, de livros e centenas de folhetos, que prepararam a igreja brasileira para o avivamento das décadas de 60 e 70.O Dr. Hilário, reproduzindo declaração do Pastor Rego Nascimento, diz: “Enquanto os pastores estavam na Convenção discutindo, a missionária Rosalee estava semeando e plantando igrejas”.
Exatamente isso! Que o diga o bairro operário do Inconfidentes, na cidade Industrial de contagem. Ali moravam as adolescentes Marly, Rute e Berenice, mencionadas no livro, e que se tornaram companheiras de Rosalee em suas visitas aos lares daquela gente simples, para distribuir folhetos e falar do evangelho. O resultado? Mais uma igreja. A última, fundada pela missionária Rosalee em terras brasileiras e que tive o privilégio de liderar, ao lado de meu grande amigo, Haroldo Silva, quando ainda congregação da então Igreja Batista do Barreiro, hoje Comunidade Batista Shalom Internacional.
O pastor Hilário menciona uma característica da missionária Rosalee que precisa chamar a nossa atenção, nestes tempos de igreja rica e ufanista: o seu despojamento e completo desapego ao dinheiro. Essa foi, aliás, uma característica de muitos missionários americanos que para aqui vieram e se entregaram à evangelização de nosso país. Dona Rosalee distribuía com pastores humildes, seminaristas e pessoas carentes em geral, o que ganhava, reservando para si tão somente o necessário a uma existência simples e frugal. E aqui eu tenho o prazer de dar o meu testemunho.
Era o ano de 1964, início do mês de março. O Movimento de Renovação Espiritual vivia os seus melhores dias. Com apenas 19 anos incompletos, mas apaixonado por Jesus e dominado pelo ideal e romantismo da fé, decidi ir para o seminário teológico, no Rio. Fui à rodoviária e comprei a passagem, utilizando para isso todo o dinheiro de que dispunha. Não teria sequer condições de, chegando ao Rio, tomar um lotação e sair da rodoviária, à busca de um lugar para me hospedar, mesmo que provisoriamente. Viajaria na segunda-feira à noite. Arrumei a mala com uns poucos pertences, dentre eles minha pequena máquina de escrever, portátil. E por que faço menção deste detalhe? É que a engenhoca fora, nas mãos de Rosalee, o instrumento para escrever e inundar o Brasil de livros e abençoados folhetos Vida Vitoriosa. Recebi-a do Haroldo Silva, que a obteve do seu irmão Ary Velloso e este, da missionária.
No domingo, fui à então Igreja Batista do Barreiro resolver eventuais pendências. O Pastor Ilton Quadros, que morava em frente ao templo, veio em minha direção e falou, se desculpando: “Daniel, aqui está uma carta de Rosalee pra você. Abri o envelope e só então percebi o meu equívoco”. Tomei aquele envelope, retirei dele a carta, que trazia em anexo um cheque em dólares. A amável cartinha, escrita em letras grandes e não muito organizadas, me orientava procurar o irmão Helio Moreira, do extinto Banco de Crédito Real de Minas Gerais, para fazer a conversão da moeda. Grato e emocionado, tomei nas mãos aquele cheque e pensei comigo: agora já não mais ficarei retido na rodoviária. Posso tomar um lotação e ir à busca de uma hospedagem, mesmo que emergencial.
Que possuía a missionária Rosalee quando pensou haver chegado a hora de ir ao encontro do Pai? Umas poucas peças de roupa, alguns livros e sua Bíblia, é a constatação feita pelo Pastor José Hilário.
Deixo aqui a minha homenagem aos missionários, americanos em sua maioria. Homens e mulheres que, dominados pelo ideal da fé, não tiveram as suas vidas por preciosas. A pé ou montados em cavalos, percorreram estradas e atravessaram rios, levando sempre a preciosa semente. Eurico Alfredo Nelson, o casal Maddox, D.F. Crosland, a missionária Rosalee Appleby e tantos outros.
Quanto devemos a estes ilustres filhos da graça e peregrinos da fé. A eles o nosso muito obrigado!
Sou um privilegiado! Participei do culto de despedida de Rosalee Appleby, realizado numa tarde de domingo, no templo da Primeira Igreja Batista de Belo Horizonte/MG, e estava na Praça da Estação, quando de sua partida, em regresso para a América do Norte.
Já no interior do trem Vera Cruz e sentada à janela, Rosalee olhava, serena e penetrante, a plataforma apinhada de moços que balançavam lenços brancos e cantavam emocionados:
Pelo seu poder e no seu amor,
Té nos encontrarmos com Jesus!
Pelo seu poder e no seu amor,
Oh! Que Deus vos guarde em sua luz!
O Vera Cruz começou a se deslocar vagarosamente. Rosalee continuava olhando a moçada que também persistia em seu cântico de despedida, e o fez até que o trem desapareceu na primeira curva.
“Sim, diz o Espírito, descansarão dos seus trabalhos, pois as suas obras os acompanharão.
Prefácio do livro: Rosalee Appleby – Uma Missionária de Fé
Pastor Daniel Leite Fonseca